Sobre o Sarau da Oficina “Presença de Palco para
Músicos"
Assisti dia 21 de novembro de 2018,
um sexta-feira às 19 horas, na o SARAU
DA OFICINA PRESENÇA DE PALCO PARA MÚSICOS, trabalho periódico e incessante da
atriz e diretora de teatro ELISA LUCAS
(*). Não acompanhei o trabalho durante o ano, embora soubesse de sua existência
e tive intensa curiosidade em conhecer os resultados que seriam mostrados no “Sarau”.
Naquela sexta-feira, fui até a CCMQ na
sorte, como se diz, nada sabendo, de antemão, sobre repertório, participantes e
o que aconteceria lá. Quando li o programa e tive a surpresa de ver que uma
obra de minha autoria que seria apresentada.
Asseguro a você que me lê neste
momento: o que enxerguei, escutei, senti e vivi
foi algo absolutamente inédito. Para
quem não me conhece, tenho larga experiência com teatro – componho música de cena há cinquenta e sete
anos, ensaiando cantores e instrumentistas – e também experiência de palco –
pelos recitais que fiz e/ou vivenciei aqui e alhures como solista,
camerista e algumas vezes regendo
orquestra. Realmente foi algo “novo”. Vale a pena contar, resumidamente, minha
experiência de plateia que fui. O ineditismo me surpreendeu e comoveu.
As músicas apresentadas, entre
autorais e de compositores conhecidos (de Ronaldo Miranda a Bach, de Chico
Buarque a J. Hendrix) ganharam performance / interpretação distintas .Não farei
uma apreciação detalhada de cada música
e de cada participação dos músicos porque este não é meu objetivo. No entanto e
não obstante, quem me ler poderá ter uma ideia do que vi de “novo” – algo que
foi trazido pelos artistas que realizaram a Oficina.
Direi o que acho importante tomando como exemplo o que aconteceu com a
interpretação da canção para voz e piano de minha autoria intitulada “Tudo
Muda”, com texto de Bertolt Brecht, “canção dramática” que pertence à série
“Canções de Emergência”. Intérpretes: Raquel Flores (soprano) e Guilherme Lopes
Corrêa (pianista). Não que eu puxe a
brasa para meu assado, como dizem aqui no RS, mas porque eu mesmo
apresentei esta canção em recitais com cantoras distintas e também a escutei com
outros intérpretes cantoras e cantores, fazendo duo com outros pianistas que
não eu. A questão fundamental está em que, pela primeira vez, escutei esta
canção como “canção dramática” que ela é;
pela primeira vez ela não foi realizada como “canto lírico”.
Tenho observado que aqui no RS,
mesmo dentro da assim chamada “academia”, “canto lírico” é uma designação
genérica que serve para qualquer tipo de música cantada no extrato “eudito”. Há que considerar que nas muitas expressões
do “canto”, em cada cultura, há
distinções de interpretação e também dados de tradição que servem para orientar
o intérprete sobre o que fazer com o
texto musical. Há vários exemplos. Cito
alguns. No século XX, temos dados de tradição para a “canção dramática”, que vêm do teatro, dos
“musicais” de toda espécie, para a “canção
de cabaré” dos anos vinte e trinta.
Trata-se de características concretas que se distinguem da tradição do século
XIX, por exemplo do “Lied” alemão, embora muitas vezes tenham relação direta
com ele. Mesmo na cultura de língua alemã há outras expressões de “canção”. Só
na França, dentro do que chamam de “musique
savante” (música erudita), existem vários tipos de “chanson”, cada uma com tradição própria. Se formos para Espanha e
Portugal, encontraremos outras expressões do canto. E na ópera encontraremos um
outro universo de especificidades do “canto”.
Onde quero chegar? Cantores e cantoras podem perfeitamente
distinguir os vários tipos de “canto” e criar interpretações / performances que
digam respeito à realidade de cada obra, valorizando o tipo de texto que é
cantado. Isto serve para a música “erudita” e para a “música popular”. Assim, quando alguém canta Villa-Lobos,
Gabriel Fauré, Goerges Bizet, W. A.
Mozart ou Richard Strauss não poderá fazer tudo como sendo “canto lírico”.
Cantar um Lied é diferente de cantar uma ária de ópera. Emissão vocal “postura
de palco”, movimentação, expressão do corpo, tudo é distinto em cada tipo de
“canto”. Vale destacar que o texto é muito importante sempre.
Feitas estas rápidas observações
sobre o “canto”, volto ao exemplo do que
realizaram com a obra de minha autoria Raquel com Guilherme, a partir da
Oficina.
Repito o que disse antes: foi algo
absolutamente inédito; foi como eu estivesse escutando pela primeira vez minha
própria música. O pianista Guilherme compreendeu criativa e inteligentemente a
dramaticidade do texto musical que criei e que entrelaça o “caráter” da modinha com o “pulso” e o “caráter”
da “valsa brasileira” ; ele criou algo
pessoal, vindo de sua rara imaginação musical, de seu “talento” de pianista; e Raquel surpreendentemente cantou “para o
público”, dirigindo-se diretamente a ele, atuando,
dizendo o texto com clareza, , valorizando cada momento, cada ideia musical,
cada um dos versos da curta e densa
poesia de Bertolt Brecht, intitulada “Tudo Muda”.
No meu entender, aí começa a
genialidade do trabalho realizado nesta Oficina. Orientar um trabalho que tenha
um sentido coletivo é coisa difícil e rara e Elisa nos mostra não só que é
possível, mas também o quanto pode ser rico no colorido da diversidade.
Sentado na plateia, atento, fui
percebendo no desenrolar do Sarau (que belo recital!) o quanto os músicos
criaram em suas interpretações / performances; o quanto e como escolheram e
trilharam outros caminhos, outras direções. Criaram outros vieses totalmente
distintos da mesmice das reproduções de posturas de palco e encenações que se
limitam a repetir padrões. Mostraram que há espaço para o “novo” nascer.
Quem tiver sensibilidade, olhos e
ouvidos, para sentir, enxergar e escutar, fruirá com gosto e aprenderá muito
com o “Sarau” da Oficina. De minha
parte, aprendi muito e saí de lá renovado; foi uma surpresa, um maravilhamento
e um alimento grande para minha esperança em perseverar no meu trabalho, criando, compondo e tocando.
Flávio
Oliveira – Músico [E.V. 12.12.18]
(*) - https://elisalucasteatroblog.wordpress.com/ - to whom it
may concern / a quem possa interessar. .