Neste Blog, ainda em construção, estarei informando sobre meu trabalho de músico, sobre partituras e gravações de minhas obras. Também publicarei textos de análises de obras musicais que produzi e produza, sobre outros músicos , sobre artes e artistas, correspondência de interesse público, bem como memórias.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Sobre o Sarau da Oficina "Presença de palco para Músicos"


Sobre o Sarau da Oficina “Presença de Palco para Músicos"

            Assisti dia 21 de novembro de 2018, um sexta-feira às 19 horas, na  o SARAU DA OFICINA PRESENÇA DE PALCO PARA MÚSICOS, trabalho periódico e incessante da atriz e diretora de teatro  ELISA LUCAS (*). Não acompanhei o trabalho durante o ano, embora soubesse de sua existência e tive intensa curiosidade em conhecer os resultados que seriam mostrados no “Sarau”.  Naquela sexta-feira, fui até a CCMQ na sorte, como se diz, nada sabendo, de antemão, sobre repertório, participantes e o que aconteceria lá. Quando li o programa e tive a surpresa de ver que uma obra de minha autoria que seria apresentada.
            Asseguro a você que me lê neste momento: o que enxerguei, escutei, senti e vivi  foi algo absolutamente  inédito. Para quem não me conhece, tenho larga experiência com teatro  – componho música de cena há cinquenta e sete anos, ensaiando cantores e instrumentistas – e também experiência de palco – pelos recitais que fiz e/ou vivenciei aqui e alhures como solista, camerista  e algumas vezes regendo orquestra. Realmente foi algo “novo”. Vale a pena contar, resumidamente, minha experiência de plateia que fui. O ineditismo me surpreendeu e comoveu.
            As músicas apresentadas, entre autorais e de compositores conhecidos (de Ronaldo Miranda a Bach, de Chico Buarque a J. Hendrix) ganharam performance / interpretação distintas .Não farei uma  apreciação detalhada de cada música e de cada participação dos músicos porque este não é meu objetivo. No entanto e não obstante, quem me ler poderá ter uma ideia do que vi de “novo” – algo que foi trazido pelos artistas que realizaram a Oficina.
            Direi o que acho importante tomando  como exemplo o que aconteceu com a interpretação da canção para voz e piano de minha autoria intitulada “Tudo Muda”, com texto de Bertolt Brecht, “canção dramática” que pertence à série “Canções de Emergência”. Intérpretes: Raquel Flores (soprano) e Guilherme Lopes Corrêa (pianista). Não que eu puxe a brasa para meu assado, como dizem aqui no RS, mas porque eu mesmo apresentei esta canção em recitais com cantoras distintas e também a escutei com outros intérpretes cantoras e cantores, fazendo duo com outros pianistas que não eu. A questão fundamental está em que, pela primeira vez, escutei esta canção como “canção dramática” que ela é; pela primeira vez ela não foi realizada como “canto lírico”.
            Tenho observado que aqui no RS, mesmo dentro da assim chamada “academia”, “canto lírico” é uma designação genérica que serve para qualquer tipo de música cantada no extrato “eudito”.  Há que considerar que nas muitas expressões do  “canto”, em cada cultura, há distinções de interpretação e também dados de tradição que servem para orientar  o intérprete sobre o que fazer com o texto musical.  Há vários exemplos. Cito alguns. No século XX, temos dados de tradição  para a “canção dramática”, que vêm do teatro, dos “musicais” de toda espécie, para a  “canção de cabaré”  dos anos vinte e trinta. Trata-se de características concretas que se distinguem da tradição do século XIX, por exemplo do “Lied” alemão, embora muitas vezes tenham relação direta com ele. Mesmo na cultura de língua alemã há outras expressões de “canção”. Só na França, dentro do que chamam de “musique savante” (música erudita), existem vários tipos de “chanson”, cada uma com tradição própria. Se formos para Espanha e Portugal, encontraremos outras expressões do canto. E na ópera encontraremos um outro universo de especificidades do “canto”.
            Onde quero chegar?  Cantores e cantoras podem perfeitamente distinguir os vários tipos de “canto” e criar interpretações / performances que digam respeito à realidade de cada obra, valorizando o tipo de texto que é cantado. Isto serve para a música “erudita” e para a “música popular”.  Assim, quando alguém canta Villa-Lobos, Gabriel Fauré, Goerges Bizet,  W. A. Mozart ou Richard Strauss não poderá fazer tudo como sendo “canto lírico”. Cantar um Lied é diferente de cantar uma ária de ópera. Emissão vocal “postura de palco”, movimentação, expressão do corpo, tudo é distinto em cada tipo de “canto”. Vale destacar que o texto é muito importante sempre.
            Feitas estas rápidas observações sobre o “canto”, volto  ao exemplo do que realizaram com a obra de minha autoria Raquel com Guilherme, a partir da Oficina. 
            Repito o que disse antes: foi algo absolutamente inédito; foi como eu estivesse escutando pela primeira vez minha própria música. O pianista Guilherme compreendeu criativa e inteligentemente a dramaticidade do texto musical que criei e que entrelaça  o “caráter” da modinha com o “pulso” e o “caráter” da “valsa brasileira” ; ele criou  algo pessoal, vindo de sua rara imaginação musical, de seu “talento” de pianista;  e Raquel surpreendentemente cantou “para o público”, dirigindo-se diretamente a ele, atuando, dizendo o texto com clareza, , valorizando cada momento, cada ideia musical, cada um dos versos  da curta e densa poesia de Bertolt Brecht, intitulada “Tudo Muda”.  
            No meu entender, aí começa a genialidade do trabalho realizado nesta Oficina. Orientar um trabalho que tenha um sentido coletivo é coisa difícil e rara e Elisa nos mostra não só que é possível, mas também o quanto pode ser rico no colorido da diversidade.
            Sentado na plateia, atento, fui percebendo no desenrolar do Sarau (que belo recital!) o quanto os músicos criaram em suas interpretações / performances; o quanto e como escolheram e trilharam outros caminhos, outras direções. Criaram outros vieses totalmente distintos da mesmice das reproduções de posturas de palco e encenações que se limitam a repetir padrões. Mostraram que há espaço para o “novo” nascer.
            Quem tiver sensibilidade, olhos e ouvidos, para sentir, enxergar e escutar, fruirá com gosto e aprenderá muito com  o “Sarau” da Oficina. De minha parte, aprendi muito e saí de lá renovado; foi uma surpresa, um maravilhamento e um alimento grande para minha esperança em perseverar no meu trabalho,  criando, compondo e tocando.
Flávio Oliveira – Músico [E.V. 12.12.18]
(*) - https://elisalucasteatroblog.wordpress.com/  - to whom it may concern / a quem possa interessar. .