Neste Blog, ainda em construção, estarei informando sobre meu trabalho de músico, sobre partituras e gravações de minhas obras. Também publicarei textos de análises de obras musicais que produzi e produza, sobre outros músicos , sobre artes e artistas, correspondência de interesse público, bem como memórias.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Sobre o Sarau da Oficina "Presença de palco para Músicos"


Sobre o Sarau da Oficina “Presença de Palco para Músicos"

            Assisti dia 21 de novembro de 2018, um sexta-feira às 19 horas, na  o SARAU DA OFICINA PRESENÇA DE PALCO PARA MÚSICOS, trabalho periódico e incessante da atriz e diretora de teatro  ELISA LUCAS (*). Não acompanhei o trabalho durante o ano, embora soubesse de sua existência e tive intensa curiosidade em conhecer os resultados que seriam mostrados no “Sarau”.  Naquela sexta-feira, fui até a CCMQ na sorte, como se diz, nada sabendo, de antemão, sobre repertório, participantes e o que aconteceria lá. Quando li o programa e tive a surpresa de ver que uma obra de minha autoria que seria apresentada.
            Asseguro a você que me lê neste momento: o que enxerguei, escutei, senti e vivi  foi algo absolutamente  inédito. Para quem não me conhece, tenho larga experiência com teatro  – componho música de cena há cinquenta e sete anos, ensaiando cantores e instrumentistas – e também experiência de palco – pelos recitais que fiz e/ou vivenciei aqui e alhures como solista, camerista  e algumas vezes regendo orquestra. Realmente foi algo “novo”. Vale a pena contar, resumidamente, minha experiência de plateia que fui. O ineditismo me surpreendeu e comoveu.
            As músicas apresentadas, entre autorais e de compositores conhecidos (de Ronaldo Miranda a Bach, de Chico Buarque a J. Hendrix) ganharam performance / interpretação distintas .Não farei uma  apreciação detalhada de cada música e de cada participação dos músicos porque este não é meu objetivo. No entanto e não obstante, quem me ler poderá ter uma ideia do que vi de “novo” – algo que foi trazido pelos artistas que realizaram a Oficina.
            Direi o que acho importante tomando  como exemplo o que aconteceu com a interpretação da canção para voz e piano de minha autoria intitulada “Tudo Muda”, com texto de Bertolt Brecht, “canção dramática” que pertence à série “Canções de Emergência”. Intérpretes: Raquel Flores (soprano) e Guilherme Lopes Corrêa (pianista). Não que eu puxe a brasa para meu assado, como dizem aqui no RS, mas porque eu mesmo apresentei esta canção em recitais com cantoras distintas e também a escutei com outros intérpretes cantoras e cantores, fazendo duo com outros pianistas que não eu. A questão fundamental está em que, pela primeira vez, escutei esta canção como “canção dramática” que ela é; pela primeira vez ela não foi realizada como “canto lírico”.
            Tenho observado que aqui no RS, mesmo dentro da assim chamada “academia”, “canto lírico” é uma designação genérica que serve para qualquer tipo de música cantada no extrato “eudito”.  Há que considerar que nas muitas expressões do  “canto”, em cada cultura, há distinções de interpretação e também dados de tradição que servem para orientar  o intérprete sobre o que fazer com o texto musical.  Há vários exemplos. Cito alguns. No século XX, temos dados de tradição  para a “canção dramática”, que vêm do teatro, dos “musicais” de toda espécie, para a  “canção de cabaré”  dos anos vinte e trinta. Trata-se de características concretas que se distinguem da tradição do século XIX, por exemplo do “Lied” alemão, embora muitas vezes tenham relação direta com ele. Mesmo na cultura de língua alemã há outras expressões de “canção”. Só na França, dentro do que chamam de “musique savante” (música erudita), existem vários tipos de “chanson”, cada uma com tradição própria. Se formos para Espanha e Portugal, encontraremos outras expressões do canto. E na ópera encontraremos um outro universo de especificidades do “canto”.
            Onde quero chegar?  Cantores e cantoras podem perfeitamente distinguir os vários tipos de “canto” e criar interpretações / performances que digam respeito à realidade de cada obra, valorizando o tipo de texto que é cantado. Isto serve para a música “erudita” e para a “música popular”.  Assim, quando alguém canta Villa-Lobos, Gabriel Fauré, Goerges Bizet,  W. A. Mozart ou Richard Strauss não poderá fazer tudo como sendo “canto lírico”. Cantar um Lied é diferente de cantar uma ária de ópera. Emissão vocal “postura de palco”, movimentação, expressão do corpo, tudo é distinto em cada tipo de “canto”. Vale destacar que o texto é muito importante sempre.
            Feitas estas rápidas observações sobre o “canto”, volto  ao exemplo do que realizaram com a obra de minha autoria Raquel com Guilherme, a partir da Oficina. 
            Repito o que disse antes: foi algo absolutamente inédito; foi como eu estivesse escutando pela primeira vez minha própria música. O pianista Guilherme compreendeu criativa e inteligentemente a dramaticidade do texto musical que criei e que entrelaça  o “caráter” da modinha com o “pulso” e o “caráter” da “valsa brasileira” ; ele criou  algo pessoal, vindo de sua rara imaginação musical, de seu “talento” de pianista;  e Raquel surpreendentemente cantou “para o público”, dirigindo-se diretamente a ele, atuando, dizendo o texto com clareza, , valorizando cada momento, cada ideia musical, cada um dos versos  da curta e densa poesia de Bertolt Brecht, intitulada “Tudo Muda”.  
            No meu entender, aí começa a genialidade do trabalho realizado nesta Oficina. Orientar um trabalho que tenha um sentido coletivo é coisa difícil e rara e Elisa nos mostra não só que é possível, mas também o quanto pode ser rico no colorido da diversidade.
            Sentado na plateia, atento, fui percebendo no desenrolar do Sarau (que belo recital!) o quanto os músicos criaram em suas interpretações / performances; o quanto e como escolheram e trilharam outros caminhos, outras direções. Criaram outros vieses totalmente distintos da mesmice das reproduções de posturas de palco e encenações que se limitam a repetir padrões. Mostraram que há espaço para o “novo” nascer.
            Quem tiver sensibilidade, olhos e ouvidos, para sentir, enxergar e escutar, fruirá com gosto e aprenderá muito com  o “Sarau” da Oficina. De minha parte, aprendi muito e saí de lá renovado; foi uma surpresa, um maravilhamento e um alimento grande para minha esperança em perseverar no meu trabalho,  criando, compondo e tocando.
Flávio Oliveira – Músico [E.V. 12.12.18]
(*) - https://elisalucasteatroblog.wordpress.com/  - to whom it may concern / a quem possa interessar. .


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016


RESUMO BIOGRÁFICO-CURRICULAR

Flávio Oliveira (1944) iniciou seus estudos musicais com a profa. Zuleika de Araújo Vianna. Durante os anos de adolescência cantou em corais. Estudou ainda composição com Roberto Schnorrenberg, análise e harmonia com Esther Scliar, contraponto e composição com Armando Albuquerque, composição com Willy Corrêa de Oliveira, piano com Homero Magalhães e Gilberto Tinetti; regência com Carlos Alberto Pinto Fonseca e Ernst Hüber-Contwig. Participou de seminário de composição com Maurice Le Roux em julho de 1974, USP-SP, ocasião em que estreou sua obra ”Jogo”, para piano, executando-a ele próprio. Diplomou-se em e Língua e Literatura Grega e Língua e Literaturas de Língua Portuguesa pela UFRGS.

Como compositor, docente, intérprete, tem participado de eventos, a destacar: as Bienais Internacionais de Música de São Paulo, os Festivais de Santos e de São Bernardo do Campo; os Programas “Music of Almost Yesterday”da Un. de Wisconsin (USA); “Música Brasileira na Universidade”, Un. do Texas (Austin-USA); bolsista e convidado do Instituto Goethe em Berlim / RFA (1984), em Santiago de Chile (1989) para a estréia de sua obra “ROUND ABOUT DEBUSSY”; em Berlim / DDR / Liga der Völker Freundschaft (1984); bolsista do CNPQ na Un. de Boston (USA) (1990); em Montevidéo (1992); em Santiago de Chile para o Primer Encuentro de Música Contemporânea (2004). Ministrou cursos nos Encontros de Arte-Educação da Fundarte (Montenegro), Dep. de Música da UFSM(RS), UERGS e UFPEL (RS). Lecionou português, música e educação artística no Instituto Educacional João XXIII (1968 a 1981), No Dep. de Música do Instituto de Artes A-UFRGS lecionou Composição, Orquestração, Fuga e História da Música (1986 -1990).

Compõe para teatro desde 1964. De sua produção, destacam-se a estréia mundial do teatro de comédias de Qorpo Santo: “Matheus e Mateusa”, “Eu sou Vida eu Não sou Morte”, “As relações Naturais” (direção de A. C. Sena) (2 prêmios estaduais e um nacional pela música de cena);“Cordélia Brasil”, de Antônio Bivar (direção de Wagner Mello); para o MOCKIMPOTT de Peter Weiss (direção de José Luiz Gomes do ‘Teatro de la Plaza de Madrid’); para “Merlin, a terra deserta”, de Tankred Dorst (direção de Arines Ibias) Prêmio Açorianos (1985); para “A Transformação”, de Eduardo Pavlovsky, direção de Paulo Albuquerque (1983); para “1941” (texto de Ivo Bender com direção de Décio Antunes- Projeto Funproarte)(1986) Prêmio Açorianos ; para “O Ronco do Bugio”, (1998, indicação Prêmio Açorianos) direção de Gilberto Icle; para “Mundéu, o Segredo da Noite” (dirigido por Gilberto Icle) Prêmio Tibiquera 1998; “As bodas de Theodora” de Ivo Bender (2000), (Fumproarte, direção Décio Antunes, indicação prêmio Açorianos 1999); para “A ronda do lobo” de Ivo Bender, (2002)( direção Décio Antunes); para “Mulheres Insones”,(2006) coreografia de Carlota Albuquerque e Décio Antunes, direção de Décio Antunes, Prêmio Açorianos; “5 TEMPOS PARA A MORTE” (2010-2011) grupo USINA DE TRABALHO DO ATOR / UTA – direção de Gilberto Icle.

De sua obra destacam-se “QUANDO OLHOS E MÃOS” p/iano e pianista amplificados (Ed. Séc. Cult., Ciência e Tecnologia do Est. De SP – gravação Caio Pagano, p/ LP e Cassete Funarte e CD Funarte-Itaú e CD TUDO MUDA – A MÚSICA DE FLÁVIO OLIVEIRA); “MOVIMENTOS: VARIAÇÕES”, p/trombone, oboé e 2 pianos (Ed. UFRGS – Gravação CD TUDO MUDA); “ROMANZA”, p/ orquestra; ciclo “CANÇÕES DE EMERGÊNCIA”, p/ voz e piano, “ROUND ABOUT DEBUSSY” (Ed. UFRGS), p/ piano (grav. CD PRELÚDIOS EM PORTO ALEGRE, Luciane Cardassi - Projeto Funproarte; também de Guilherme Goldberg para o CD TUDO MUDA – A MÚSICA DE FLÁVIO OLIVEIRA. “TUDO MUDA”, p/ piano; idem versão/ orq, (grav. Sinfonia Cultura da Fund. Padre Anchieta/TV Cultura/SP, Mº. Lutero Rodrigues); “INTRADUÇÃO DE RAVEL” para maestro e conjunto de câmara (Ed. UFRGS) (CD “Tudo Muda”) e “EINE MUSIKALISCHER BRIEF”, para flauta doce sl. (Ed. Goldberg) (gr. CD Tudo Muda); “RECORRÊNCIAS”, sobre poemas de Paulo Roberto do Carmo, pra barítono e orquestra de cordas com flauta e oboé”, comissionada pela Orq. de Câmara Theatro São Pedro. Em 2002 lançou o CD “TUDO MUDA – A MÚSICA DE FLÁVIO OLIVERA”, projeto FUMPROARTE, com o qual recebeu os 2 Prêmios Açorianos – 2002 : categoria Música Erudita: “CD Erudito” e “Compositor Erudito”.

De suas publicações, destacam-se a tradução “Princípios de Crítica Literária” de IVOR RICHARDS, Ed. Globo; o artigo intitulado “A QUEM PERTENCE A UFRGS?”, (vol. 60 anos UFRGS); tradução, consultoria e textos de prefácio e orelha para 3 volumes da NEW GROVE-L&PM, “BEETHOVEN”, “MOZART” e “ WAGNER”.

Dentre CDs produzidos destacam-se: “Araújo Vianna por Olinda Alessandrini e Adriana de Almeida” (Prêmio Açorianos), o Primeiro Volume da série “Erudito” de “A MÚSICA DE PORTO ALEGRE”- SMC-PREFPOA, “Ópera Carmela”,(c/OSPA), de Araújo Vianna, “Radamés Gnatalli por Olinda Alessandrini”; “Ópera Boiuna”, de Walter Schultz Portoalegre; ainda, CDCs de Dirce Knijnik (UFRGS), Ângela Diel (Fumproarte), Daniel Wolf (Fumpoartre), Anne Schneider (Fumproarte), Lea Roland Kiefer (UFRGS). 
Participou da organização dos 6 “Encompor” e coordenou o “Sétimo Encompor” – (Encontro de Compositores da América Latina). Na RÁDIO DA UNIVERSIDADE - UFRGS, de 1964-1972 e 1984-2003 foi programador, produziu e apresentou programas didáticos sobre música contemporânea e também recitais radiofônicos ao vivo com ênfase na música contemporânea do RS, brasileira e internacional contemporânea. A mesma atividade exerceu na FM CULTURA/Fundação Rádio e TV Educativa Piratini RS, entre 1988-1990. Pianista, apresenta-se como solista e camerista.

Foi membro das comissões de seleção e premiação FUNARTE para as Bienais de Música Brasileira Contemporânea de 2005, 2007 e 2010/2011. Em 2009 trabalhou em colaboração com a pianista Maria Helena del Pozzo SP) para a interpretação das obras “... Quando olhos e mãos...” e “Jogo”, sendo que esta última foi gravada em CD Projeto Petrobrás, reunindo obras analisadas em sua tese de doutorado. O CD leva o título de COMPOSITORES BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS – DA FORMA ABERTA À INDETERMINAÇÃO. Em 2011, a convite da UDESC, ministrou seminário de análise sobre suas obras e ministrou master classes. Em 2012 trabalhou em colaboração com a mestranda, pianista Pamela Ramos, cuja dissertação versou sobre trabalho colaborativo entre compositor e intérprete, com Flavio Oliveira, em sua obra “Round About Debussy” – 2ª versão, defendida em 2013 no CPGM-DEMUS-UFRGS. Ainda em 2012, participou como painelista e palestrante do Primeiro Encontro de Música Contemporânea da UFPEL, Pelotas, iniciativa do Núcleo de Música Contemporânea do Conservatório da instituição. Ainda em 2012, 27 de novembro, a OSPA apresentou a obra de sua autoria MUSEU – UMA CANÇÃO DE VIGÍLIA, para soprano, barítono, flauta solistas e cordas completas, com harpa e sistros obligati. Em novembro de 2013 a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro re-apresentou sua obra RECORRÊNCIAS, para barítono e orquestra de cordas com oboé e flauta obligati, sobre poemas de Paulo Roberto do Carmo [cuja estreia deu-se em 2006, pela mesma orquestra, que encomendara a obra] .

Fez a revisão da obra “Mixagens em campo: etnomusicologia, performance e diversidade musical”, organizada pela profa. Dra. Maria Elizabeth Lucas, 1ª Ed. Porto Alegre: Marca Visual, 2013, v.1.

Em maio de 2014 a escola Estação Musical homenageou-o, inaugurando uma sala para concertos de câmara e atividades didáticas que leva seu nome. Na ocasião, músicos de Porto Alegre, entre amigos e ex-alunos, realizaram um concerto apresentando obras de sua autoria.

Realizou em 2015 três recitais, com obras da série “Canções de Emergência”, de sua autoria, com a cantora Cíntia de los Santos, respectivamente para ao programa universitário “Sobremesa Musical da PUC-RS”, no “Instituto Ling” e na sala Flávio Oliveira da “Estação Musical”. E um recital para a série “Desconcerto”, com a soprano Raquel Flores, a mezzo-soprano Clarice Diefenthaeler e o barítono Carlos Rodriguez, no “Bar e Restaurante Parangolé”, apresentando também obras da série “Canções de Emergência”. Nestes recitais duas canções novas foram estreadas: “Canção de Vidro – para trio de voz feminina, voz masculina e piano”, sobre poema de Mário Quintana e “Soneto para um Encontro”, para soprano e piano, sobre um poema de Fernando Neubarth. Em 2016 participou como i compositor residente do 50ºFestival Música Nova "Gilberto Mendes"- USP-RP/SESC-SP. No concerto de encerramento  foram apresentadas dez obras de sua autoria, sendo cinco delas para piano solo , interpretdas por Catarina Domenici e cinco das "Canções de Emergência" interpretadas pela soprano Raquel Flores, pelo barítono Carlos Roidriguez e com o autor ao piano.

Dentre as gravações que contém obras suas destacam-se “Tudo Muda – a música de F. Oliveira” (Projeto Fumproarte), (RS) “Compositores Brasileiros Contemporâneos – da forma aberta à indeterminação” (Projeto Petrobrás) pela pianista Maria Helena Del Pozzo”(SP) e “Caio Pagano – piano / ITAÚ CULTURAL / (Projeto Acervo Funarte)”(RJ).



Flávio Oliveira - 2017

domingo, 13 de novembro de 2011

Tudo Muda - A Música de Flávio Oliveira


A realização de qualquer processo de composição artística pressupõe um universo de referências e informações que são articuladas (ou desarticuladas) com vistas à elaboração de uma nova estrutura. Esta nova proposição de elemen­tos, conhecidos e desconhecidos, trará consigo novos significados e proporciona­rá uma abertura ao espectador interessado em seu desvelamento.
O contato com algumas das proposições musicais de Flávio Oliveira revelou-me possibilidades de pensar sua prática como intenção direcionada para este envolvimento com o ouvinte, na medida em que opera com elementos de um repertório conhecido, dos quais se apropria para apresentá-los em um novo contexto.
Esta é uma prática bastante utilizada na contemporaneidade. O conceito de apropriação, e os de citação e releitura dele advindos, caracterizam procedi­mentos operacionais no âmbito artístico em geral, desde os inícios da modernidade. Evidenciam-se como produção crítica, na medida em que operam com referências históricas e culturais. O artista não está simplesmente fazendo "recortes" e juntando-os uns aos outros e com novas ideias desenvolvidas. Está apresentando uma nova forma, elaborada e pensada como um todo, onde cada parte cumpre uma função e dialoga com as outras, de acordo com a estruturação pretendida.
Se, em algumas composições, Flávio Oliveira utiliza elementos já conh­ecidos e situados historicamente no âmbito da música, em outras nos propõe o novo, entendido como a forma que o artista nos apresenta pela primeira vez. Mesmo então, a prática de ouvir suas composições poderá conduzir-nos à elaborações de caráter reflexivo.
            Flávio Oliveira opera, em suas criações, com uma vasta memória musical formada durante anos de estudo e vivência da música. Seu trabalho nos revela uma grande mobilidade entre estilos de diferentes épocas, diferentes autores e um grande conhecimento de repertório e de processos criativos engendrados em diversas situações circunstanciais. Este conhecimento é aproveitado como força produtora, possibilitando ao compositor a manipulação de diferentes linguagens e a criação de grande variedade de formas e ideias musicais. Este CD nos dá uma mostra disto. Apresenta-nos várias formas de composição, com características distintas e peculiares, que também nos remetem a diferentes tipos de linguagem musical.
            A música de Flávio Oliveira manifesta uma atitude reflexiva, propondo também ao ouvinte/espectador uma forma de desenvolver e ampliar referenciais. Vale dizer que esta atitude reflexiva, implícita em suas composições e por elas desencadeada, como já referido, se faz num campo crítico, por vezes histórico-crítico, histórico-social... De qualquer forma nos traz sempre, e quem sabe sobretudo, uma reflexão sobre a própria música e sobre o fazer musical, especialmente na contemporaneidade. É somente através do trabalho artístico e de sua apreciação que poderemos formular uma compreensão abrangente da arte de nosso tempo, já que a definição de contemporaneidade e de como, nela, se manifestam as diferentes linguagens artísticas tem sido tarefa complexa. O trabalho de Flávio Oliveira é valiosa contribuição para nos auxiliar neste intento.

Profa. Dra. Andrea Hofstaetter - Departamento de Artes Visuais – Instituto de Artes-UFRGS





CD Tudo Muda – A Música de Flávio Oliveira

Intérpretes:

Artur Elias - flauta
Caio Pagano - piano
Carla Maffioletti - soprano
Carlos Rodriguez - barítono
Catarina Domenici - piano
Diego Grendene - clarinete
Flávio Oliveira - piano
Gabriela Vilanova - viola
Guilherme Goldberg - piano
Ion Bressan - regente
Javier Balbinder - oboé
Júlio Rizzo - trombone
Lúcia Carpena - flauta doce
Ney Fialcow - piano
Norma Rodrigues - harpa
Olinda Alessandrini - piano
Raul Costa D’Avila - flauta
Rodrigo Bustamante - violino
Telmo Jaconi - violino
Vânia Dantas Leite - sintetizador
Wenceslau Moreira – violoncelo

Ficha Técnica

Tomada de Som – Marcelo Sfoggia e Marcos Abreu; Teatro da PUCRGS;
Pianos Steinway (modelo D) e Petroff – Salão de Atos da PURGS
Edição – Flávio Oliveira e Marcos Abreu
Mixagem e Masterização – Marcos Abreu
Produção executiva, Musical e Direção Artística – Flávio Oliveira
Foto do compositor – Jornalista Maria Luísa Paim Teixeira
Arte do Encarte – Felix Bressan e Cristina Ferrony
Fotolito – VS Digital – Ltda.
Imagem da capa – Klee, Paul . Übermut. Allegorie der künstlerischen Existenz.
Financiamento - Projeto FMPROARTE – SMC/PREFOPA – Porto Alegre, RS – Brazil 2002.
Apoiadores: USINA DE TRABALHO DO ATOR, Frederico Gerling Jr.,  Adriana de Almeida, Salão de Atos da PUCRGS e PROREXT – UFRGS. Distribuição – Selo Barulinho – Carlos Branco.

Contato para aquisição do CD: floliva@terra.com.br




Tout Change – La Musique de Flávio Oliveira

            La réalisation de la procédure de composition artistique, quiconque qu'il soit, présuppose un univers de références et d'informations qui sont articulées (ou désarticulées) en vue de l'élaboration d'une nouvelle structure. Cette nouvelle proposition d'éléments connus ou inconnus, apportera avec soi de nouveaux sens et rendra possible une nouvelle ouverture au spectateur intéressé à son dévoilement.
            Le contact avec quelques propositions musicales de Flávio Oliveira m'a révélé des possibilités de penser sa pratique comme intention tournée vers cet engagement mutuel avec l'auditeur, à la mesure dans laquelle l'auditeur opère avec des éléments d'un nouveau répertoire connu dont il s'approprie pour le présenter en un nouveau contexte.       
            Cette pratique est très utilisée dans la contemporanéité. Le concept d'appropriation et ceux de citation et relecture qui en résultent du domaine artistique, caractérisent des procédés opérationnels depuis le commencement de la modernité. Ils deviennent évidents comme production critique à la mesure qu'ils opèrent par des références historiques et culturelles. L'artiste ne fais simplement que des « découpages » en les ajoutant les uns et les autres et en développant des idées nouvelles. Il présente une forme nouvelle, élaborée et pensée comme un ensemble nouveau, dont chaque part accomplit une fonction et dialogue avec les autres, selon la structuration prétendue. 
            Si dans quelques compositions Flávio Oliveira utilise des éléments déjà historiquement connus et situés dans le domaine de la musique, dans autres il nous propose le nouveau, entendu comme la forme que l'artiste nous présent par la première fois. Même dans ce cas, la pratique d'entendre ses compositions, pourra nous conduire à des élaborations de caractère réflexif.
            Flávio Oliveira opère dans ses créations, avec une vaste mémoire musicale formé pendant les années d'étude et vécu de la musique. Son travail nous révèle une grande mobilité entre des styles de différents époques, de différents auteurs et une grande connaissance de répertoires et de processus créatifs engendrés en plusieurs situations circonstancielles. Cette connaissance est mise à profit comme force productive et rend possible au compositeur de travailler de différents langages et la création d'une grande variété de formes et idées musicales. Ce CD nous démontre ça. Il nous présente plusieurs formes de composition, avec des caractéristiques distinctes et particulières, qui nous remettent aussi à des différents types de langages musicaux.
            La musique de Flávio Oliveira manifeste une attitude réflexive, en proposant aussi à l'auditeur/spectateur une forme de développer et d'élargir des références. Cela vaut dire que cette attitude réflexive, implicite dans ces compositions, se fait dans un champ critique parfois historique-critique, parfois historique-social...De toute façon cela nous apporte toujours, et qui sait, une réflexion sur la musique même et sur le faire de la musique, notamment dans la contemporanéité. C’est seulement à travers le travail artistique et de son appréciation que nous pourrons formuler une compréhension de l'art de notre temps, étant donné que la définition de contemporanéité, et comment s'y manifestent des différents langages artistiques, c'est une tâche complexe. Le travail de Flávio Oliveira est une précieuse contribution pour nous aider dans ce but.

Professeur Andrea Hofstaetter - Université du Rio Grande do Sul - École Supérieure des Arts - Departementement des Arts Visuelles.
            Traduction – Flávio Oliveira
Révision – Luciana Cavalheiro

ACHUTTI – Projeto Percurso do Artista (UFRGS)



À guisa de resenha de um livro raro.
                                                        

                                     
                                                   (...)Coisa terrível é um homem louco                                                                                                                                               de ressurreições”. (...)

                                                         (...) Que o meu coração
                                                         cavando ao pé do Grande Mistério,
                                                         em meio a tanta máscara dormida
                                                                                                         e  tanto pranto
                                                                                                            e tanto grito,
                                                         vislumbre a criatura nua na terra,
                                                         ali, sob os lençóis da existência,
                                                         ordenhando seu próprio Destino.  (...) [1]         
                                                                                             
                                                                                                          
            No Projeto Percurso do Artista: Achutti, se era excelente e oportuna a idéia de publicar um catálogo para documentar a histórica exposição do fotógrafo Luiz Eduardo Robinson Achutti, o resultado final excedeu excelência e oportunidade, como também aquilo que se conhece corriqueiramente como um objeto-catálogo. Em que excedeu e como? Voilà: a mão do criador Achutti, o mesmo que em duas de suas publicações acadêmicas (refiro-me especialmente às teses de mestrado e doutorado), criou outro tipo de linguagem para o objeto-livro, em que texto verbal e o texto imagístico estabelecem em simultaneidade outro tipo de essência discursiva, desta vez, interagindo com o projeto, interferiu transformando-o em um raríssimo Livro, que ultrapassa a idéia de catálogo e traz, simultaneamente, a sua biografia / autobiografia.
            Destaco alguns indícios que apontam para a identificação desta interferência.  Valha aqui o vocábulo interferir em seu sentido primeiro, tomada sua origem etimológica.[2] Ressalvo que esta interferência, certamente, só foi possível devido à confluência de várias forças convergentes, a saber: a força empreendedora  da Diretora do Departamento de Difusão Cultural, Cláudia Boetcher; a clareza de objetivos da Coordenadora do projeto “Percursos do Artista”, Juliana Gonçalves Mota – por favor, leia-se o límpido e conciso texto escrito por ela, na primeira orelha do Livro – e o trabalho de Boris Cossoy,  que, pelo que se pode ler no percurso da exposição, expressa ao mesmo tempo a arte da difícil tarefa de curadoria, o talento de nela interagir com o artista em foco e a ciência da autoria. Nesta ambiência de inter-relações, certamente aberta, receptiva, manifesta-se o autor Achutti, que se coloca no fluir dos materiais que se sucedem num caminho de interesse crescente para o leitor - como ocorre também na exposição.
            Os materiais expostos são fascinantes para as aprendenças que o leitor venha a realizar no convívio com o livro.  As imagens, os documentos e as fotos falam por si e pelas conexões que estabelecem com o todo. Tive a fortuna de acompanhar, um a um, de uma ou outra maneira, o lançamento dos livros de fotos que Luiz Eduardo Robinson Achutti publicou; assim, neste registro, quero ater-me primeiro às crônicas e, depois, à reflexão imagética deste poeta da fotografia.
            Crônicas: este é um capítulo importante e muito raro em catálogos e/ou publicações congêneres. E identifico, na presença delas no Livro, mais um traço de transformação operado pela interferência criadora de Achutti, fazendo esta publicação passar da categoria de catálogo para a categoria de Livro biográfico / autobiográfico simultaneamente. Pergunto ao leitor: que catálogos de exposição trazem tão farto e importante material de reflexão, escritos pelo próprio artista em foco? Que o leitor considere, de novo, a idéia de projeto expressa no texto de Juliana G. Mota, mencionado acima, e o fato de o livro disponibilizar textos do professor, do pesquisador de história da fotografia, do sociólogo, do fotógrafo, do sistematizador de técnicas de seu ofício – cuja prática é passada  no quotidiano de sala de aula para seus alunos – reunidos para melhor deflagrar, em livro, as aprendenças do leitor, em perspectivas múltiplas. Em outras palavras, a idéia de reunir estes textos vem em benefício do aprofundamento dos conhecimentos de estudantes, artistas, colegas de profissão, público em geral.
             Ainda quanto aos textos, em si cada um e no todo, eles constituem  peças de rara excelência literária. (Há que dizer ainda que são singulares, se vistos no universo dos textos acadêmicos deste presente histórico, no qual predominam modismos e jargões a repetir uma espécie de ‘estilo burocrático’ que de tempos em tempos muda conforme a voga). Achutti confirma o que contemporaneamente a história nos tem mostrado: alguns artistas  se destacam como verdadeirosestilistas’ em seus textos. (A palavra estilista aqui se refere a estilo literário). Eles se revelam quando se os lê em sua correspondência epistolográfica  ou em seus diários de trabalho e/ou outros registros pessoais. Cito exemplos sem qualquer parti pris: para o primeiro caso, as cartas de W. A. Mozart; para o segundo, os diários de trabalho de Paul Klee e as notações estéticas de Victor Vasarely.
            Tanto nos textos quanto na fotografia, há quem identifique em Achutti a autêntica posição de esquerda, do que historicamente chama-se de esquerda. Sugiro ao leitor pensar que esquerda, enquanto atributo essencial do espírito criador de Achutti, é uma imanência e não um rótulo; imanência sobre a qual Carlos Drummond de Andrade, em seu livro de estréia de 1930, refletiu assim: “Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.” [3] Não era em vão que  o poema intitulava-se Poema de Sete Faces. A coerência entre a vida e a obra de Achutti, contida também nesta imanência, neste atributo de seu espírito, está presente na exposição e no Livro que a documenta e vale como força de ensinamento a quem quer que seja. Dentro de uma Universidade, cumpre função didática diferenciada, de rara importância: a reflexão sobre a coerência entre ética e estética e sobre a ética de uma estética.
            Faço agora algumas anotações sobre metáforas imagísticas que sinto permanecerem pairando indagadoras, perscrutadoras por toda obra. Destaco uma delas, sintetizada nas imagens da capa e na contracapa do Livro. A foto da capa, sobretudo, emana certo mistério impenetrável. Tenho muita curiosidade sobre histórias que possam estar subjacentes a esta maravilhosa foto, do ponto de vista factual. Quem sabe o autor publique alguma coisa sobre isto, algum dia.  Não obstante, quero sugerir que o leitor se indague sobre a metáfora que ela contém. Nela vê-se a figura do equilibrista, em ação e na mira do público em expectativa. Nesta senda da metáfora do equilibrista, sugiro ainda que o leitor também lance olhar reflexivo sobre uma obra do final da vida de Paul Klee, na qual o artista revisita a imagem do equilibrista, imagem que, de resto perpassa a história da pintura. Trata-se de uma tela cujo título é “Übermutt: Allegorie der küstlerischer Existenz”. [4] Nela, Klee nos traz, como na foto de Achutti, duas perplexidades: a primeira é o ‘excesso de coragem’ da ação do equilibrista - significado aproximado do vocábulo “Übermutt”, de difícil tradução, e cujo sentido tem o que haver com o que os gregos entendiam como “hýbris”; a segunda perplexidade emerge do significado do trabalho do equilibrista sobre a corda bamba, o qual Klee refere como sendo a ‘alegoria da existência artística’ [5]. Por este fulcro, leio a capa e a contracapa do Livro como sendo fotograficamente dois auto-retratos de Achutti: o da capa, o equilibrista (bela metáfora de sua existência artística); o da contracapa, a ação da busca do instante luz, da imagem, o fotógrafo na ação de fotografar. Nesta foto, a cena tem lugar no cais do porto de POA. Enxerga-se o artista pela sua própria sombra, na parede amarela. Ele está fotografando en plein air com a câmera sobre tripé e em pleno ar. À direita, os armazéns, e à esquerda a água do porto, invisível na imagem, presença de uma ausência; o chão de pedras mira o fundo que se perde entre guindastes e céu. O ponto de fuga, o infinito do cenário que ele e sua sombra focam, constitui uma rima com a foto da estrada nua que se enxerga no final da exposição da Sala Fahrion.
            Desde as primeiras fotos de Achutti que enxerguei, tive a impressão de que ele escolhia/escolhe determinado instante-luz da alma das coisas, da natureza, das gentes. Dou como exemplo três fotos que não me saem das retinas e da memória: uma de um carnaval em Ouro Preto (visão de Ballet?), outra de um menino banhando-se na água que sai do cântaro da Samaritana (reminiscência chapliniana?); uma terceira, o instante-luz em que Fafá de Belém solta a pomba, no comício das “Diretas Já”, em Porto Alegre, ao cair da noite.
            Aprende-se com a arte de Achutti que é pela imagem que ele reflete sobre a realidade, criando ao mesmo tempo a linguagem do seu filosofar. Seus instantes percebidos e registrados nestes 35 nos revelam numerosos significados do Zeitgheist da virada do milênio. Mais que uma investigação sócio-foto-etnográfica, sua obra é um mergulho na reflexão do espírito de seu tempo.
            A UFRGS está duplamente de parabéns com o projeto pelo qual idealiza e realiza a exposição, e a documentação dela, através de Achutti – Percurso do Artista, Livro biográfico / autobiográfico. Porque duplamente e por que de parabéns? Porque com este projeto a Universidade valoriza o fotógrafo, o sociólogo e o professor, divulgando o pensamento e a obra dele, de maneira significativa, digna de si – Universidade – e dele – mestre e artista – e realiza, em tempo real (sic), efetiva ação educativa para a comunidade acadêmica e para o público em geral.
            A idéia e o desejo de escrever sobre o novo Livro de Achutti emergiu do convívio e do aprendizado com sua obra, nestes 35 anos em que o acompanhei. Lendo-o e relendo-o ficou-me evidente que não era ‘um catálogo a mais’, mas sim um Livro com a biografia / autobiografia de Achutti, Livro primorosamente ordenado em 6 capítulos – Curador, Escritos sobre o Artista, Exposição Percurso do Artista, Crônicas, Cronologia e Fotografias.
            Quanto aos auto-retratos a que referi, enquanto imagens e fotografias, eles confirmam o que Achutti escreveu no texto curatorial para a Exposição A Universidade da Fotografia (POA, 2003) : “Refratário a tudo que é do terreno do aleatório ou do presunçoso, tenho para mim que a única fotografia possível, a fotografia ideal, é aquela resultante de uma iluminada expressão do desejo”. [6]

Flávio Oliveira – Músico




[1]  CARMO, Paulo Roberto do.  Crisbal, o Guerreiro. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1966.
[2] Vide o verbo latino fero, tuli, latum, ferre.
[3] ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma Poesia. Belo Horizonte: Edições Pindorama, 1930.
[4] Übermut: Allegorie der künstlerischer Existenz. Eis a imagem:

 

[5] No original: Allegorie der künstlerischer Existenz.
[6] Projeto Percurso do Artista: Achutti / [catálogo da exposição organizada pelo DDC-UFRGS, artista Luiz Eduardo Robinson Achutti.] Porto Alegre: UFRGS 2011. Pág. 46.